12.12.11

um punhado de pó


Com humor tipicamente britânico, Kingsley Amis teria dito que Evelyn Waugh é “a marvellous writer, but one of a sort peculiarly likely to write a bad book at any moment” (“um escritor maravilhoso, mas de um tipo que poderia escrever um mau livro a qualquer momento”). “A Handful of Dust” (“Um punhado de pó”), considerado um dos melhores romances de Waugh, não parece encaixar-se nem na categoria do maravilhoso nem na coleção de maus livros incidentais.
O romance combina um tanto artificialmente duas histórias de um mesmo personagem: de um lado, o fim do casamento do protagonista, em Londres, em razão do caso “extra-marital” (se cabe o eufemismo) de sua mulher; de outro, sua expiação e exílio no exótico, numa expedição à Amazônia. A sensação é de quebra: a história londrina é bruscamente interrompida para se dar início a um conto de viagem. O enxerto não chega a surpreender quando se lê a entrevista que Waugh concedeu à Paris Review: o escritor afirma que o ponto de partida do romance foi um conto seu que corresponderia à parte final do livro. Sua curiosidade ante o passado do personagem do conto o teria motivado a “completar” sua história de vida.
A história, aliás, é bastante simples. Tony e Brenda Last vivem a monotonia de seu casamento nos arredores de Londres, na casa gótica de Hetton em que Tony viveu sua infância e, já adulto, encontrou sua razão de viver. Brenda se apaixona por Beaver, londrino pobre, pretensioso e arrivista, e passa a viver em Londres, com a desculpa dos estudos de economia na faculdade. Com a morte do filho único dos Last, Brenda se separa de Tony, e este, desiludido, segue em expedição à Amazônia, o começo do conto enxertado. Lá torna-se o leitor cativo de um homem analfabeto, que o obriga a ler para ele textos de Dickens em voz alta e priva-o dos meios de voltar à civilização. Com a suposta morte de Tony, Hetton é herdada por seus primos, enquanto Brenda, sem dote a oferecer, é abandonada por Beaver e acaba por casar-se com um terceiro homem.
O que desagrada na construção da trama é a imotivação dos acontecimentos. O leitor não se convence de que deveriam ocorrer ou de que, uma vez concretizados, soam verossímeis. O caso entre Brenda e Beaver nasce do nada: não parece haver atração ou empatia entre os dois; é um caso descarnado, deserotizado. Waugh prefere descrever a casa de Hetton a criar uma atmosfera de envolvimento amoroso que pudesse desencadear o affair. A morte do filho, por sua vez, não provoca o impacto esperado em Tony ou em Brenda: reagem friamente, britanicamente demais. Tony tampouco se altera de modo passional com a descoberta da traição: até admite simular seu próprio adultério para facilitar o divórcio. Reagirá apenas quando descobrir que Brenda quer uma elevada pensão para “comprar” o casamento com Beaver, o que implicará a perda da casa de Hetton. E, ao cabo, o homem da pacata Hetton, daquele mundo provinciano, resolve ir para onde, tendo a seu dispor o mundo inteiro? Para a Amazônia, em busca de uma cidade indígena misteriosa. Nenhuma dessas situações convence.
Por trás das ações inverossímeis, circulam personagens desinteressantes, que não despertam simpatia ou empatia no leitor. No mais das vezes, causam aversão: o cinismo de Brenda, a ingenuidade de Tony. Não há, aliás, personagem razoável. A hipocrisia e o egoísmo reinarão em Londres ou na selva.
Se o livro envolve o leitor em algumas partes, o faz pela indignação, pela expectativa de que o autor corrija a história, dê a ela um pouco de credibilidade, como quando Tony finalmente se recusa a conceder o divórcio e uma alta pensão a Brenda. O próprio autor reconhece, na mesma entrevista da Paris Review, não dar importância à psicologia dos personagens: ele se diz interessado em acontecimentos, circunstâncias, diálogos. Ocorre que a psicologia se revela nos acontecimentos, e é a coerência dos eventos que dará forma à cabeça dos personagens.
“A Handful of Dust” é uma leitura fácil, com seus diálogos freqüentes e fluentes. Waugh encadeia com leveza pequenas cenas e diálogos. Mais longo é o “conto final”, que também tem seu charme, mas sobressai como um corpo estranho no romance. O conto foi uma forma divertida que Waugh encontrou para ajustar contas com o legado de Dickens: por ser brilhante e grandioso, Dickens tormou-se a prisão do inglês, leitor-prisioneiro, que dele não consegue libertar-se.
Infelizmente, o romance de Waugh não está à altura do velho Dickens nem do belo verso de T.S.Eliot que inspirou seu titulo.

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