16.9.11

servidão humana


“Of Human Bondage” (“Servidão humana”), de Somerset Maugham, é um clássico, se não da literatura com L maiúsculo, ao menos do gênero dos romances de formação (“Bildungsroman”), que narram a infância e a juventude do protagonista. Maugham era uma escritor talentoso, preciso sem ser chato e comovente sem ser piegas. Ao valer-se de sua experiência pessoal para escrever este romance autobiográfico consegue o máximo de autenticidade e lirismo. Como ele mesmo diz no prefácio, singularizando o livro como sua obra maior, escreve-se melhor sobre aquilo que se viveu.
Trata-se de um belo livro, pela densidade da construção psicológica do protagonista e pela singeleza das suas desventuras. Não chega, no entanto, a ser uma leitura que arrebata. Além da extensão considerável, há algo de pesado na estrutura do livro, talvez inevitável nos romances de formação: o texto é cíclico, desenvolve histórias parciais com seus clímaxes e anti-clímaxes, sem um grande eixo que aumente a expectativa e o envolvimento do leitor. Sucedem-se os diversos períodos da vida do protagonista Philip Carey, que correspondem, grosso modo, a atividades e lugares distintos, com histórias próprias: a infância em Blackstable, o colégio em Tercambury, a adolescência em Heidelberg, a contabilidade em Londres, a pintura em Paris, a medicina na volta a Londres. Cada momento tem sua trajetória, cujo fim exigirá do leitor novo fôlego para o recomeço.
Se há um “leitmotiv”, é a paixão obsessiva de Philip por Mildred, uma garçonete mortiça que despreza o cavalheirismo e a deformação física do protagonista. Ocorre que esta paixão e seus dissabores se circunscrevem ao segundo período em Londres, o último e mais longo do livro é verdade, mas sem que houvesse até então sinais de inclinações obsessivas do personagem ou de uma personalidade romântica. Talvez Maugham não quisesse antecipar nada, para realçar o caráter irracional, imprevisível e incontrolável da paixão que acometeria seu alter-ego. O que importa é que a relação de Philip com Mildred é, por sua tragicidade e irrazoabilidade, o que há de mais marcante no livro.
Se o leitor pode se ressentir do caráter cíclico do texto e das penosas travessias dos anti-clímaxes e recomeços, a elegância e a sofisticação de Maugham oferecem recompensas por toda parte. O capítulo LXXXVIII, sobre a força do elemento místico em um pintor como El Greco, é genial. Passagens mais simples também emocionam, principalmente na revelação do caráter do herói: “Philip found that Rose was quietly avoiding him. But he was not the boy to accept a situation without putting it into words” (pag.77). Maugham é, ao mesmo tempo, muito simples e muito elegante em seu estilo.
O interesse do livro vem também da posição do narrador. “Of Human Bondage” é narrado na terceira pessoa, mas a narração corresponde à de primeira pessoa. O narrador descreve as ações e os pensamentos do protagonista, mas nada, nem ação nem pensamento, dos demais personagens. Ao escrever um romance autobiográfico, Maugham sabe que só tem a dizer o que seu alter-ego viveu e sentiu, mas usa o artifício da terceira pessoa para distanciar-se dele e para tornar menos patética e sentimental sua trajetória. O efeito é certeiro, pois Philip Carey nos aparece tão real quanto comovente.