6.2.12

Yerma


Yerma casa-se com Juan e quer ter filhos. Os anos passam, seu marido pensa mais no trabalho do campo, suas amigas parem, mas Yerma só faz angustiar-se com o filho que não vem. Chega a enamorar-se de outro homem, Victor, mas sua moral rígida a impede de trair Juan. Recorre então a rezas e simpatias, mas nada resolve seu problema e sua angústia, que acabam por minar a relação com o marido. Revoltada com a esterilidade do casamento, com a frieza de Juan, Yerma estrangula-o até a morte.
“Yerma” é uma peça em forma de poema trágico do espanhol Federico García Lorca. A força do texto de Lorca inspirou outros criadores, como Paul Bowles e nosso Heitor Villa-Lobos, que compuseram óperas baseadas na peça. 
A julgar por Lorca e outros poetas de Espanha, as mulheres espanholas parecem combinar de maneira espontânea e natural com as paixões violentas, com o vermelho das mortes trágicas, como em “Carmen” ou “A Casa de Bernarda Alba”. A dificuldade de uma peça como “Yerma” é, no entanto, a de construir a violência do trágico a partir do sentimento da esterilidade, que, por mais intenso que seja, está mais associado à retração do que ao impulso, à passividade do que à agressividade. O resultado é que a trama de Lorca parece por vezes um tanto artificiosa e exorbitante mesmo para os padrões hiperbólicos de uma tragédia. Não que a dor de uma mãe frustrada não seja extraordinariamente intensa. Apenas não é tão comodamente conciliável com a violência trágica quanto outros sentimentos e condições mais comumente encontrados em tragédias, como o amor interdito, a traição ou a perda do outro.
Daí que o melhor de “Yerma” não é a trama, mas a língua de Lorca. Há belas imagens e canções: “pero la noche que nos casamos me lo decía constantemente con su boca puesta en mi mejilla, tanto que a mí me parece que mi nino es un palomo de lumbe que él me deslizó por la oreja” ou “cada mujer tiene sangre para cuatro o cinco hijos, y cuando no los tienen se le vuelven veneno, como me va a pasar a mí.” 
Como na bela "Casa de Bernarda Alba", Lorca volta ao tema da tensão dos valores tradicionais, à dificuldade de seguir a moral rígida em sociedades arcaicas, o dilema do adultério e da fidelidade. Confrontam-se honra e prazer, moral e liberação, a casa da ordem e a rua das fofocas e desvios. Do confronto nasce a exasperação, a tensão, até a ruptura trágica, como se a rigidez dos valores levasse inevitavelmente à explosão dos impulsos mais profundos e violentos do homem.
Entre os personagens da peça, Yerma é naturalmente a figura de maior presença, com a lenta transformação do seu desejo em obsessão trágica. Mais interessantes são, no entanto, as mulheres anônimas de Lorca: as lavadeiras, as muchachas, as velhas, que aparecem ou como figuras místicas e sábias ou como fofoqueiras, agentes da intriga. Cantam como nos coros das tragédias gregas e preenchem a história com certa magia. Há sempre um toque de fatalidade e de sombras em sua aparição, como se anunciassem o final trágico. São elas que caracterizam a tragédia espanhola: a mulher passional e misteriosa se expressa por suas falas e gestos.