2.5.11

tlön, uqbar, orbis tertius

Conto tipicamente borgiano, porque mistura livros e personagens reais e imaginários, e nos traz uma idéia central mirabolante e criativa, é “Tlön, Uqbar, Orbis Tertius”. Um grupo de pessoas cria um país e um planeta imaginário e insere verbete sobre o tema numa enciclopédia de prestígio (como a Britannica) ou mesma edita uma enciclopédia inteira sobre o planeta, com estudos sobre sua geografia, sua história, sua teologia, sua literatura. É um ótimo pretexto para Borges contar-nos as peripécias dos autores anônimos, enfiar fatos que misturam personagens como Bioy Casares e Alfonso Reyes, e falar de uma curiosa língua e metafísica. Uqbar é um país de localização incerta, de fronteiras imprecisas, na Ásia Central, onde um herege havia declarado que “los espejos y las cópulas son abominables porque multiplican el número de los hombres”. Tlön é um planeta, o Orbis Tertius, onde as nações “son congénitamente idealistas” e os homens “conciben el universo como una serie de procesos mentales, que no se desenvuelven en el espacio sino de modo sucesivo en el tiempo”, onde a metafísica é afinal “una rama de la literatura fantástica”. Em Tlön, predomina a idéia do sujeito único, os livros não são assinados, porque se imagina que sejam produtos de um único autor, intemporal e anônimo.
Como num jogo, em que o prazer maior é a verossimilhança, Borges mostra-nos com extrema delicadeza a maneira como surge a idéia do planeta imaginário, as referências aos livros e autores que o dissecam, as peculiaridades do lugar. As descrições do mundo imaginado são deliciosas, como nas cidades invisíveis de Calvino, embora Borges, ao contrário do escritor italiano, deleite-se mais com a criação dos criadores e do processo de criação em si do que com o objeto criado. Há também um fino humor tanto sobre os americanos (o magnata que escarnece a modéstia de um projeto de criação de um país imaginário e propõe a concepção de um planeta inteiro) como sobre os ingleses (“una de esas amistades inglesas que empiezam por excluir la confidencia y que muy pronto omiten el diálogo”). Menos saborosa é a crítica direta às ideologias do século XX, que soa um tanto pesada num conto tão sutil e inteligente.

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