2.5.11

a sangue frio

“In Cold Blood”, de Truman Capote, é considerado por muitos uma obra de não-ficção, por relatar fatos conhecidos, o assassinato da família Clutter e a execução dos dois criminosos. O livro é, no entanto, um belo romance, no sentido amplo do termo, porque vai além da superfície dos fatos e revela aspectos ficcionais que transcendem o relato jornalístico. Capote reconstitui e recria o acumular dos acontecimentos e a psicologia dos principais personagens.
O encanto de “In Cold Blood” está justamente no modo como é narrado. Desde o começo, já se sabe – o autor lembra-nos com freqüência – o que vai acontecer. Mas as mortes anunciadas não retiram apelo à crônica; na verdade, nos forçam a pensá-la, desde o início, imaginando o seu fim. Vamos conhecendo os personagens e as situações conscientes de seus desdobramentos, para que os analisemos melhor, para que julguemos com o benefício de quem sabe o futuro. Olhamos a harmonia dos Clutter lamentando a morte próxima; vigiamos o comportamento de Perry Smith e Dick Hickock analisando por que seriam capazes de matar. A trama não nos envolveria mais se não soubéssemos de seu desenrolar, eis a habilidade de Capote, que nos faz aguardar com ansiedade a cena do crime e a da execução.
O estilo é seco. Nada sobra, tudo é pertinente e crível. Capote esmera-se na reconstituição do passado dos personagens, na descrição do seu cotidiano e na recriação dos diálogos. É brilhante ao mergulhar na mente de cada criminoso, principalmente Perry Smith, o pensativo filho de índia e de irlandês, de infância difícil, complexos de inferioridade e sonhos de grandeza artística. Os personagens da vida real, que o jornalismo não conseguiria revelar em suas características mais complexas, nos são ricamente recriados como personagens ficcionais plenos.
“In Cold Blood” é também uma curiosa radiografia da sociedade norte-americana, dos diversos mundos que nela convivem, o pacato e o bárbaro, o previsível e o aparentemente exorbitante. Capote entrelaça as duas trajetórias: narra paralelamente o cotidiano dos Clutter e o dos assassinos, com a mesma familiaridade e proximidade. As trajetórias convergem para a madrugada do crime, mas algo mais as une. É a filiação de ambas à realidade norte-americana. A vida dos Clutter não é mais representativa do cotidiano dos Estados Unidos do que a vida das famílias Smith ou Hickock. Nada é particularmente aberrante: a tragédia nasce do familiar, do cotidiano. O desvio não é exógeno; é interno e pode surgir dentro da própria harmonia, como é o caso do comportamento de Bonny Clutter, a mãe de nervos frágeis e índole reclusa. O convencional e o marginal, o familiar e o cruel se misturam.
O livro traz à tona outras questões. Uma delas é a da legitimidade da pena capital. Alguns críticos encontraram no livro argumentos contra a execução. No entanto, o leitor não é induzido a torcer para que Smith e Hickock escapem da pena, principalmente pela aparente leveza com que cometeram o crime bárbaro. O texto não desperta compaixão, e sim o horror. Mais interessante é a questão psicológica: como se constrói o ato, com que grau de envolvimento daquele que o executa? Há livre arbítrio, quão responsáveis somos dos nossos atos e quão integralmente devemos responder por eles?
Capote nos faz essas perguntas de maneira sutil, com uma história recriada com a sofisticação de um bom ficcionista.

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