4.5.11

os irmãos Karamazov

“Os irmãos Karamazov” é uma obra monumental e clássica, mas se o conceito de  “obra prima” estivesse associado à idéia de perfeição de um trabalho redondo e equilibrado, o livro de Dostoiévski teria de ser caracterizado de outra maneira. O valor de “Os irmãos Karamazov” está na intensidade de certas passagens, seja pela força dramática de momentos da narrativa, seja pela profundidade de algumas reflexões. O livro é irregular porque desce ao vulgar – os melodramas de relações amorosas passionais – e sobe ao sublime, dos mistérios do comportamento humano às questões da morte e da transcendência.
Dois são os temas centrais do livro, para além do parricídio, que é tratado mais como crime do que como questão filosófica. A primeira é a existência ou não de Deus. Nas suas idas e vindas, o livro apresenta argumentos para crentes, agnósticos e ateus. Os diálogos e argumentos a respeito são marcantes. “O grande inquisidor”, do intelectual anti-religioso Ivan, os sermões do padre Zozima, as demonstrações de fé e bondade de Aliosha (todos muito mais interessantes do que o tedioso diálogo de alucinação de Ivan com o diabo) compõem um painel denso sobre crença e sobre Deus. Aí está uma das facetas do gênio de Dostoiévski.
Outro tema fundamental é o do livre arbítrio. Dostoiévski investiga a culpa, a questão da responsabilidade e das maneiras de punição e autopunição. O mistério de algumas passagens que descem à psicologia torturada dos personagens dá grandeza à narrativa: Ivan atormentado pela responsabilidade indireta pelo assassinato do pai; Lise, esta personagem marginal na trama, aplicando-se penas por pecados induzidos, como a imagem extraordinariamente forte do dedo preso à porta; Katerina amargurada na relação de amor e ódio por Mitya. E, sobretudo, Alyosha, carregando a pena de todos e, ao mesmo tempo, exibindo uma bondade e uma nobreza de sentimentos que, embora resvalem para o inverossímil, não deixam de encantar.
O que desalenta no livro são alguns aspectos mais vulgares da narrativa. A história policial do assassinato (afinal, foi Mitya ou Smerdyakov, o filho legítimo e passional ou o bastardo ressentido e ardiloso?), o julgamento de Mitya (quase sempre chato, apesar da verve de Dostoiévski), os arroubos passionais da história de amor com Grushenka e Katerina, e até mesmo a narrativa paralela do menino moribundo Ilyusha (com seu amigo brilhante Kolya, o pai orgulhoso e a deprimente família de deficientes físicos e mentais) mais carregam do que adicionam ao livro. São meneios e voltas que compõem um universo mais abrangente sim, mas que nos levam a histórias acessórias, a reflexões de outra ordem, dissipando a força e o impacto do essencial, o mergulho na psicologia da culpa e na existência ou não do divino.
Dostoiévski foi um escritor genial, e “Os irmãos Karamazov” é uma obra e tanto. Não seria ainda maior se fosse menos prolixa e múltipla?

2 comentários:

  1. Ora, não acho que deveria ser mais ou menos prolixa e múltipla. Além de nos levar ao encanto da leitura, aos altos e baixos da mente humana que sabemos existirem, podemos compará-la com outra grande obra e autor, destacando-se as épocas, de Cem anos de solidão de Garcia Marques, Nobel de 1996. Os autores têm suas razões próprias para escrever como o fizeram e nada há que se mudar em suas narrativas. São exemplo para o mundo, e já receberam o devido valor. Nada devemos acrescentar, se não aplausos! Não nos cabe a crítica a não ser com o fito de exalçar. Paulo Vargas

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  2. Vladimir Maiakóvski

    Hino ao crítico

    Da paixão de um cocheiro e de uma lavadeira
    Tagarela, nasceu um rebento raquítico.
    Filho não é bagulho, não se atira na lixeira.
    A mãe chorou e o batizou: crítico.

    O pai, recordando sua progenitura,
    Vivia a contestar os maternais direitos.
    Com tais boas maneiras e tal compostura
    Defendia o menino do pendor à sarjeta.

    Assim como o vigia cantava a cozinheira,
    A mãe cantava, a lavar calça e calção.
    Dela o garoto herdou o cheiro de sujeira
    E a arte de penetrar fácil e sem sabão.

    Quando cresceu, do tamanho de um bastão,
    Sardas na cara como um prato de cogumelos,
    Lançaram-no, com um leve golpe de joelho,
    À rua, para tornar-se um cidadão.

    Será preciso muito para ele sair da fralda?
    Um pedaço de pano, calças e um embornal.
    Com o nariz grácil como um vintém por lauda
    Ele cheirou o céu afável do jornal.

    E em certa propriedade um certo magnata
    Ouviu uma batida suavíssima na aldrava,
    E logo o crítico, da teta das palavras
    Ordenhou as calças, o pão e uma gravata.

    Já vestido e calçado, é fácil fazer pouco
    Dos jogos rebuscados dos jovens que pesquisam,
    E pensar: quanto a estes, ao menos, é preciso
    Mordiscar-lhes de leve os tornozelos loucos.

    Mas se se infiltra na rede jornalística
    Algo sobre a grandeza de Puchkin ou Dante,
    Parece que apodrece ante a nossa vista
    Um enorme lacaio, balofo e bajulante.

    Quando, por fim, no jubileu do centenário,
    Acordares em meio ao fumo funerário,
    Verás brilhar na cigarreira-souvenir o
    Seu nome em caixa alta, mais alvo do que um lírio.

    Escritores, há muitos. Juntem um milhar.
    E ergamos em Nice um asilo para os críticos.
    Vocês pensam que é mole viver a enxaguar
    A nossa roupa branca nos artigos?

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