4.5.11

exame da obra de Herbert Quain

“Examen de la obra de Herbert Quain”, de Borges, completa a primeira parte (El jardín de senderos que se bifurcan) do livro Ficiones. “Examen” não é mais do que isso, o exame da obra desse escritor imaginário que em tantos pontos se aproxima de Borges. É como se Borges falasse de livros que teria gostado de escrever, ou ao menos de conceber como projeto de livros. Como se falasse de virtudes e vícios de um escritor que em muitos pontos nos lembra Borges. O conto é uma espécie de ensaio, de obituário literário, com traços gerais do autor, enredo e crítica dos seus livros principais.
Borges começa falando de referências a Quain, como o obituário a ele dedicado pelo Times, em que “no hay epíteto laudatorio que no esté corregido (o seriamente amonestado) por un adverbio”. Seguem avaliações que nos fazem lembrar Borges, uma ao começo (“percibía con toda lucidez la condición experimental de sus libros: admirables tal vez por lo novedoso y por cierta lacónica probidad, pero no por las virtudes de la pasión”), outra ao fim (“afirmaba que de las diversas felicidades que puede ministrar la literatura, la más alta era la invención”). Borges também nos fala dos livros de Quain: um romance policial (“The god of the labyrinth”), em que uma frase final faz o leitor reavaliar tudo o que pensara ao longo do livro; “una novela regresiva, ramificada” (“April March”), em que o último capítulo é a culminação possível de nove histórias contadas regressivamente em doze capítulos anteriores, com trifurcações do fim para o começo, com uma história de “carácter simbólico; otra, sobrenatural; otra, policial; otra, psicológica; otra, comunista; otra, anticomunista, etcétera” e de cuja estrutura “cabe repetir lo que declaró Schopenhauer de las doce categorías kantianas: todo lo sacrifica a un furor simétrico”; a “comédia heróica”, em dois atos, “The secret mirror”, cujo sucesso derivou do fato de a crítica a ter considerado freudiana e pouco afetou Quain, habituado já ao fracasso; e por fim, uma obra de oito relatos, “Statements”, em que “cada uno de ellos prefigura o promete un buen argumento, voluntariamente frustrado por el autor”. Borges brinca que um dos relatos inspirou o conto “Ruínas circulares”, mas o que não esconde é que “Statements” é, na verdade, seu livro “El labirinto de senderos que se bifurcan”, que também tem oito contos, oito idéias geniais que ele supostamente teria frustrado.  
O gosto dos jogos, dos labirintos, das combinações, dos livros imaginários, das idéias de livros, tão característico de Borges, está mais presente que nunca em “Examen”. Borges não se cansa de fazer infiltrar sua literatura com o invento, a imaginação. Há uma nota de pé de página no conto que, ao comentar “April March”, vislumbra uma possível inversão do tempo, em que “recordáramos el porvenir e ignoráramos, o apenas presintiéramos, el pasado”. Por falar em tempo invertido, por que não dizer que “April March”, com seus labirintos internos, suas diferentes possibilidades de ordem de leitura dos capítulos, é uma prefiguração de outra grande obra da literatura argentina, “Rayuela”, que Cortázar escreveria muitos anos depois? 

Nenhum comentário:

Postar um comentário