4.5.11

o estrangeiro

Curto e muito impressionante, “L’étranger” é o primeiro romance de Camus. Conta a história de Mersault, homem de vida aparentemente previsível, funcionário mediano, de pouca conversa, de relações esporádicas, que mora em Argel. Com uma narrativa seca em primeira pessoa, Camus nos revela, desde o primeiro momento, o alheamento do personagem, o desapego à vida ao redor, aos valores da sociedade e ao seu próprio cotidiano e destino.
O que mais impressiona no livro é a maneira como Camus constrói o protagonista. Sua alienação e estranheza de sentimentos poderia soar artificial e inverossímil, mas Camus o faz parecer perfeitamente natural. A fluência e casualidade do discurso de Mersault lhe dá vida e consistência. Mersault não sofre ou se encanta. Começa seu relato de modo desconcertante, “Aujourd’hui, maman est morte. Ou peut-être hier, je ne sais pas.” (“Mamãe morreu hoje. Ou talvez ontem, não sei”). Segue sua vida sem sobressaltos: relaciona-se com Marie com certa indiferença (se ela quiser, ele casa), aceita as propostas do patrão sem alterar-se (vai para Paris, se ele assim o designar), participa da vida dos vizinhos sem maior emoção (ajuda o “macho” Raymond, o velho Salamano). Um dia, envolvido involuntariamente nas brigas de Raymond, Mersault acaba por assassinar um árabe, numa praia com sol a pino, no desnorteio do calor, da luz do sol e de sua própria insensibilidade moral. Mata com cinco tiros e é condenado à morte.
A história de Mersault, durante o julgamento e a prisão, é a de uma ligeira autodescoberta, de uma gradual autoconsciência, que não chega a anular, no entanto, a sua condição de estrangeiro aos outros e aos valores sociais em geral. Ele acaba menos insensível à vida, afinal há momentos de revelação, como o amor por Marie, o súbito carinho por Céleste, dono do bar e velho conhecido. Mas o comportamento e os pensamentos ainda são de alguém estranho às coisas da vida. “L’étranger” é um típico romance existencialista, como “La nausée”, de Sartre, onde o vazio do personagem (e a imotivação de suas ações) é o tema principal.
Além de ser uma enxuta reflexão sobre o alheamento, “L’étranger” trata ainda, filosoficamente, do confinamento e da pena de morte. Camus nos fala da relatividade da prisão: a memória ou uma fresta de luz ou de céu podem dar mais liberdade do que a aparente liberdade da vida social. Quanto à pena de morte, ele nos fala da inexorabilidade do destino do condenado, em contraste com a imprevisibilidade da condenação no momento do julgamento. Duas lógicas distintas, uma a da inevitabilidade, outra a da contingência.
É um belo romance, sem excessos e com uma idéia forte. Um começo espetacular de Camus.

Nenhum comentário:

Postar um comentário