2.5.11

matadouro 5

Estranho e divertido é “Slaughterhouse Five”, de Kurt Vonnegut Jr. Imaginava o livro como um claro libelo anti-guerra, centrado no massacre de Dresden e com toques de ficção científica. O livro é isso mesmo, mas de um modo muito particular e transversal: a guerra aparece como uma piada de mau gosto, patética e trágica, Dresden mal é descrita e apresentada, e a ficção científica limita-se à transgressão do tempo na cabeça do protagonista, que viaja de um momento a outro de sua própria história e existência, vagando entre presente, passado e futuro.
Billy Pilgrim, uma figura medíocre, risível, é mandada pelo Governo norte-americano para a II Guerra. Lá perambula pateticamente até que se “descola” do tempo (“comes unstuck in time”) e passa a freqüentar momentos diferentes de sua vida: a infância e o relacionamento traumático com o pai, o começo da optometria, a ida e os horrores da guerra, o extermínio de Dresden, o casamento satisfeito com sua noiva rica e gorda, o sucesso profissional, o desastre aéreo, a morte da mulher, o seqüestro pelos extraterrestres de Tralfamadore, a vida a dois no zoológico alienígena, a aparente loucura e a morte.
Mas a história pouco conta. O que chama a atenção é o estilo naïve de Vonnegut. As frases são de uma enorme simplicidade, como que escritas por uma criança ou adolescente: quase sempre curtas, de uma única oração, sem conjunções, com vocabulário simples e muitas repetições. Soam estranhas na leitura, mas ao cabo têm uma marca própria e apelo, que deriva de sua capacidade de reforçar o caráter patético do protagonista e de sua história. E Vonnegut tem um grande talento para metáforas de humor negro e satírico.
O mérito principal do livro é dissecar o processo de narração, discutir indiretamente as formas da narrativa. Primeiro, com a liberdade do tempo: a narrativa vaga entre passado, presente e futuro não por um capricho do narrador, mas pela própria vivência do protagonista, que transita psicologicamente entre os diversos momentos de sua vida. Não se trata de fluxos da memória ou de clarividência, mas sim de vivência real de momentos cronologicamente não sucessivos. Ironicamente, a linearidade da vida do personagem, e portanto da narrativa, exige a explícita quebra da linearidade. Segundo, pela presença ostensiva do narrador, que se revela em determinados momentos. Isto ocorre no começo, com a estranha introdução metanarrativa, em que o autor discute o que escrever para falar da guerra e de sua experiência em Dresden, e também no meio do livro, quando ele diz que lá estava, observando o protagonista Billy Pilgrim, nas suas deprimentes aventuras.
“Slaughterhouse Five” era o abatedouro subterrâneo onde Pilgrim e seus colegas prisioneiros de guerra foram encarcerados em Dresden e de onde sobreviveram ao bombardeio. Dá o título a um romance original e ousado.

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