13.5.11

el Sur

Sobre o seu conto “El Sur”, o último do livro “Ficciones”, Borges diz no prólogo: “es acaso mi mejor cuento; básteme prevenir que es posible leerlo como directa narración de hechos novelescos y también de otro modo”.
“El Sur” é a história de um funcionário de biblioteca pública, Juan Dahlmann, neto de um pastor evangélico de origem alemã e de um militar que morreu romanticamente, alvejado por índios de fronteira. Juan afeiçoa-se mais pelo passado do militar e tem veleidades de gaucho urbano, saudoso de um sul que nunca viveu. Um dia, retornando à sua casa, fere-se no rosto com uma aresta de porta e adoece, com septicemia. Será internado e o acompanharemos sem saber se o que experimenta – a reclusão no hospital, a alta, a viagem ao Sul, as imagens do trem, a refeição num bar, a provocação, o duelo que o reconcilia com sua idealização do gaucho – é de fato algo que vive ou apenas um sonho ou delírio de doente. Juan é um alter-ego de Borges, o burocrata fascinado pela mitologia gauchesca, pela virilidade dos duelos, mas que mal poderia empunhar a faca (“su esgrima no pasaba de una noción de que los golpes deben ir hacia arriba y con el filo para adentro”).
Borges nos intriga no conto por induzir-nos a esperar uma solução aparentemente surpreendente, mas no fundo previsível (a de que tudo não passa de um delírio, à espera de que Juan volte a si) ou uma solução engenhosa e labiríntica a seu estilo (um eventual corte na cara durante o duelo imaginado/rememorado fecharia o ciclo do delírio ao fazer-nos retornar ao momento original do ferimento do rosto na porta), mas acaba por negar-nos um e outro. Concebe um final aberto, de expectativa em relação tanto ao resultado do duelo como à sua natureza mesma, realidade ou alucinação.
O que mais fascina em "El Sur" é a elegância com que é escrito, com belas passagens, especialmente sobre a viagem de trem, com seu toque nostálgico e ligeiramente onírico. Começa na cidade, após a saída do hospital (“La ciudad, a las siete de la mañana, no había perdido ese aire de casa vieja que le infunde la noche”), e segue pelas imagens da janela do trem (“y todas esas cosas eran casuales, como sueños de la llanura. (...) Todo era vasto, pero al mismo tiempo era íntimo y, de alguna manera, secreto”).
Embora menos espetacular em sua fantasia do que outras histórias de Ficciones, “El Sur” tem uma delicadeza e um tom contido, de trama e de linguagem, que nem sempre se encontram nos contos mais imaginosos de Borges.

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