15.5.11

pastoral americana


Philip Roth é um grande narrador e um refinado comentarista da vida moderna. Seu “American Pastoral”, apesar de um pouco longo para a história que conta, é um belo livro, que relata o inferno vivido por uma família-modelo de classe média americana aparentemente a caminho do paraíso na terra e no céu. A superfície plácida do sonho americano esconde muitas vezes o fio da tragédia. “Pastoral Americana” é um título que ironiza e homenageia o romance clássico de Theodore Dreiser, “An American Tragedy”. 
O “Sueco”, Seymour Levov, é um judeu, que nasceu em bairro de classe média judia e prosperou nos esportes, como grande atleta, nos negócios, herdando a fábrica de luvas do pai, e no casamento, ou assim ele achava. Essa pastoral americana implode quando sua filha adorada e gaga resolve entrar para a guerrilha urbana nos EUA contra a Guerra do Vietnã e explode o correio local, matando um médico que lá passava. Daí para diante é um desenrolar de novas dores: vida clandestina da filha, novos atentados, internação da mulher, assédio de supostos companheiros da filha na guerrilha, personalidade intrusiva do pai-patriarca, agressividade do irmão, decadência da fábrica, adultério da mulher, reencontro com a filha, que vira uma “jaina” (seguidora do jainismo), tudo nas costas do inabalável e invulnerável “Sueco”. "Invulnerabilidade" que o leva ao câncer e à morte. O livro é um recontar circular, pelo colega de escola do irmão e fã, tornado escritor bem sucedido, da pastoral inicial e da tragédia final que fazem a vida do “Sueco”.
Roth é genial no trágico: cria situações sufocantes, como os encontros de Levov com os companheiros da filha que o chantageiam, o reencontro com a filha no quartinho sórdido, o jantar final com suas alfinetadas, crises e uma cena memorável de adultério. Ele só é maçante, e não poderia ser diferente, no banal: cansam um pouco as descrições das atividades do ramo das luvas de couro e as digressões sobre o concurso de miss da mulher do “Sueco”. Exasperam até, porque Roth leva ao exagero a técnica de criar suspense e curiosidade no leitor pela quebra da narrativa principal, para entremeá-la com reflexões do passado ou descrições exaustivas do presente.
Essa auto-indulgência se observa também em alguns diálogos. O tempo psicológico, com as reflexões dos personagens, atrasa o tempo das falas, e o que se ganha em densidade se perde em verossimilhança. Mas, do ponto de vista técnico, Roth usa brilhantemente a narrativa em estilo indireto livre (“free indirect style”), em que a voz em terceira pessoa se funde aos pensamentos e ações do protagonista. O texto é narrado em primeira pessoa por um escritor que  relata a vida do protagonista, o que na prática generaliza a terceira. Mas a terceira contamina-se pela voz em primeira pessoa do protagonista, fechando o ciclo. A técnica é sutil, provoca empatia com o personagem, embora não seja muito fácil criar identificação com um protagonista socialmente correto ao ponto da auto-anulação, como o “Sueco” Levov.
“Pastoral Americana” é um bom exemplar da inspirada biblioteca legada pelos escritores judeus norte-americanos do pós-Guerra. Se Roth não atingiu aqui a altura de um Bellow ou de um Singer, juntou mais um romance à sua lista de grandes livros.

Nenhum comentário:

Postar um comentário