1.5.11

a chave de vidro


“The Glass Key”, de Dashiel Hamett, é um legível e agradável “hard boiled crime novel” (romance policial noir). Hammet notabilizou-se por ser tão econômico quanto eficiente na apresentação de personagens e situações.
O centro aqui é a relação entre dois irmãos, Ned Beaumont e Paul Madvig. O primeiro, um Bogart inteligente, solitário, noturno, estóico, desambicioso, vela pelo irmão mais velho, que, embora menos sagaz, é dono da cidade, de sua vida noturna e aparato político e policial, num estilo mafioso suave. Beaumont contorna os problemas do irmão inconsciente e ingrato, mas sofre a dúvida sobre a inocência de Madvig no crime fundamental da trama. Hammett constrói de modo brilhante este Beaumont-Bogart e sua relação quase paternal, de amor e ódio, com Madvig.
O narrador é quase transparente. Na terceira pessoa, limita-se a apresentar os diálogos, a descrever brevemente os personagens e ambientes e a narrar os gestos (o charuto na boca, o olhar). Não opina, julga ou se estende em descrições desnecessárias. A trama aparece cristalina e desimpedida de reflexões. Hammett é um bom contador de histórias.
A “glass key”, como o “catcher in the rye”, de Salinger, aparece num sonho, mas desta vez não do protagonista, e sim da mocinha que compõe o triângulo amoroso com a dupla de irmãos. Janet Henry, a filha do senador, desejada por Madvig mas desejosa de Beaumont, sonha estar com este, ambos famintos e cansados, à porta de uma cabana no meio de uma floresta. Lá dentro, há comidas que eles percebem, e cobras que ignoram. Abrem a porta com uma chave de vidro, que se quebra. As cobras atravessam a porta e os atacam, e eles não podem trancá-las com a chave quebrada. É uma metáfora da busca de Janet pelo assassino do irmão.
O sonho é o único desvio da trama, mas não deixa de ser interessante o seu efeito suspensivo na sofreguidão do leitor interessado no desfecho.

2 comentários:


  1. Perfeito. Conciso como o próprio Hammett seria. A Chave Quebrada é bem esse simbolismo da busca por justiça, como você anotou.

    Mas, acrescento, à beira do abismo noir alguns tópicos singulares merecem nossa atenção. Exemplos? Dashiell Hammett parou de escrever aos quarenta anos; Raymond Chandler, seu maior pupilo, começou aos 45. Hammett levou uma vida digna de um seriado; a de Chandler, durante muito tempo, foi tão emocionante quanto uma ata de reunião do condomínio. Hammett freqüentou o submundo sobre o qual escrevia; Chandler esmiuçou esse submundo sem o conhecer nem por cartão-postal.

    Ou seja, o escritor não precisa ser um produto do meio em que vive para luzir. Basta apenas reunir ou trazer na algibeira dois atributos que Camões chamou, há mais de cinco século, de engenho e arte.

    Arsenio Meira Júnior

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  2. (Breve correção):

    "Perfeito. Conciso como o próprio Hammett seria. A Chave Quebrada é bem esse simbolismo da busca por justiça, como você anotou.

    Mas, acrescento, à beira do abismo noir alguns tópicos singulares merecem nossa atenção. Exemplos? Dashiell Hammett parou de escrever aos quarenta anos; Raymond Chandler, seu maior pupilo, começou aos 45. Hammett levou uma vida digna de um seriado; a de Chandler, durante muito tempo, foi tão emocionante quanto uma ata de reunião do condomínio. Hammett freqüentou o submundo sobre o qual escrevia; Chandler esmiuçou esse submundo sem o conhecer nem por cartão-postal.

    Ou seja, o escritor não precisa ser um produto do meio em que vive para luzir. Basta apenas reunir ou trazer na algibeira dois atributos que Camões chamou, há mais de cincos séculos, de engenho e arte. "

    Arsenio Meira Júnior

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