“Of Human Bondage” (“Servidão humana”), de Somerset Maugham, é um clássico, se não da literatura com L maiúsculo, ao menos do gênero dos romances de formação (“Bildungsroman”), que narram a infância e a juventude do protagonista. Maugham era uma escritor talentoso, preciso sem ser chato e comovente sem ser piegas. Ao valer-se de sua experiência pessoal para escrever este romance autobiográfico consegue o máximo de autenticidade e lirismo. Como ele mesmo diz no prefácio, singularizando o livro como sua obra maior, escreve-se melhor sobre aquilo que se viveu.
Trata-se de um belo livro, pela densidade da construção psicológica do protagonista e pela singeleza das suas desventuras. Não chega, no entanto, a ser uma leitura que arrebata. Além da extensão considerável, há algo de pesado na estrutura do livro, talvez inevitável nos romances de formação: o texto é cíclico, desenvolve histórias parciais com seus clímaxes e anti-clímaxes, sem um grande eixo que aumente a expectativa e o envolvimento do leitor. Sucedem-se os diversos períodos da vida do protagonista Philip Carey, que correspondem, grosso modo, a atividades e lugares distintos, com histórias próprias: a infância em Blackstable, o colégio em Tercambury, a adolescência em Heidelberg, a contabilidade em Londres, a pintura em Paris, a medicina na volta a Londres. Cada momento tem sua trajetória, cujo fim exigirá do leitor novo fôlego para o recomeço.
Se há um “leitmotiv”, é a paixão obsessiva de Philip por Mildred, uma garçonete mortiça que despreza o cavalheirismo e a deformação física do protagonista. Ocorre que esta paixão e seus dissabores se circunscrevem ao segundo período em Londres, o último e mais longo do livro é verdade, mas sem que houvesse até então sinais de inclinações obsessivas do personagem ou de uma personalidade romântica. Talvez Maugham não quisesse antecipar nada, para realçar o caráter irracional, imprevisível e incontrolável da paixão que acometeria seu alter-ego. O que importa é que a relação de Philip com Mildred é, por sua tragicidade e irrazoabilidade, o que há de mais marcante no livro.
Se o leitor pode se ressentir do caráter cíclico do texto e das penosas travessias dos anti-clímaxes e recomeços, a elegância e a sofisticação de Maugham oferecem recompensas por toda parte. O capítulo LXXXVIII, sobre a força do elemento místico em um pintor como El Greco, é genial. Passagens mais simples também emocionam, principalmente na revelação do caráter do herói: “Philip found that Rose was quietly avoiding him. But he was not the boy to accept a situation without putting it into words” (pag.77). Maugham é, ao mesmo tempo, muito simples e muito elegante em seu estilo.
O interesse do livro vem também da posição do narrador. “Of Human Bondage” é narrado na terceira pessoa, mas a narração corresponde à de primeira pessoa. O narrador descreve as ações e os pensamentos do protagonista, mas nada, nem ação nem pensamento, dos demais personagens. Ao escrever um romance autobiográfico, Maugham sabe que só tem a dizer o que seu alter-ego viveu e sentiu, mas usa o artifício da terceira pessoa para distanciar-se dele e para tornar menos patética e sentimental sua trajetória. O efeito é certeiro, pois Philip Carey nos aparece tão real quanto comovente.
Autobiografias precisam ser muito bem trabalhadas para não adquirirem um conteúdo romanceado. Ao que parece pelo ensaio, isso não aocntece durante essa obra.
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