12.8.11

os ratos

Um homem – um funcionário público tão medíocre quanto sua vizinhança curiosa – tem um dia para conseguir os 53 mil réis que deve ao leiteiro, sem o que a mulher e o filho pequeno deixarão de receber, já no dia seguinte, o leite diário. Naziazeno é o seu nome e ele percorrerá as ruas da cidade, os conhecidos dos bares, a ante-sala do chefe na repartição, em busca da ajuda que o salve. Ao longo do dia, acreditará em soluções, ganhará e perderá na roleta, ouvirá sobretudo evasivas, ponderações, admoestações. Ao fim do dia, depois de tantas idas e vindas, de tanto cansaço nas pernas e humilhação no peito, um “esquema” que combina empréstimos de terceiros e penhor de um anel de um conhecido o salvará provisoriamente, para que novos dias longos e extenuantes como aquele possam reproduzir-se novamente. Para que novamente ele possa percorrer as ruas da cidade como um pequeno roedor em busca de migalhas, e chegar em casa com a tarefa cumprida, na hora certa para perder o sono e ouvir passinhos miúdos de ratos no forro do assoalho, prontos para roer o parco dinheiro duramente conquistado.
Essa é a história de “Os ratos”, esse romance angustiante de Dyonelio Machado. Não há muito prazer na leitura. A narrativa é tão desadornada, e a língua tão árida, quanto a jornada de Naziazeno. Não há adereço ou beleza, um parágrafo que impressione, tudo é miúdo e mesquinho como a moeda esparsa sobre o pires de café na mesa de cada bar que ele freqüenta. Dyonelio escreve sua história circular, seu mito de Sísifo, em que o herói vai e vem pelas ruas da cidade atrás de cada ilusão frustrada, como se percorresse um labirinto de ratos, com os passos incessantes e inúteis. A vertigem da humilhação, da alma aviltada, é especialmente bem retratada nos capítulos finais, em que o autor quebra a narrativa linear e a confunde com as lembranças cortadas e as alucinações de um Naziazeno siderado e insone. É a degradação final de um homem sitiado por ratos imaginários, por suas próprias misérias.

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