8.1.12

tema do traidor e do herói


“Tema del traidor y del héroe” é o terceiro conto da seção “Artifícios”, de Ficciones, de Jorge Luis Borges. A exemplo de “La forma de la espada”, conto do mesmo livro, também fala de uma história de heroísmo e traição entre irlandeses revolucionários. É, no entanto, um conto mais sutil e sofisticado, porque desenvolve – com inteligência e delicadeza – a idéia de que a história pode imitar a literatura.
Ryan quer descobrir o mistério em torno da morte do avô, o herói irlandês Fergus Kilpatrick, que teria sido assassinado por um traidor em um teatro, em 1824, às vésperas da revolução com que tanto sonhou. Em sua pesquisa, Ryan vai revelando uma série de coincidências do crime com a história (o assassinato de Júlio César) e com a literatura (elementos de Macbeth). Descobre ao fim que a morte de Kilpatrick foi de fato tramada, mas não pelos inimigos da revolução, e sim pelos próprios revolucionários, já que Kilpatrick, o líder, era na verdade o traidor. Desmascarado e sentindo-se culpado, Kilpatrick aceita “atuar” em seu próprio assassinato, que é planejado com base em Shakespeare (não só “Macbeth”, mas também “Julius Cesar”) e executado com precisão, como se fosse a morte não de um traidor, mas de um herói. A revelação de sua traição seria um golpe à causa e aos demais revolucionários; já sua morte heróica daria impulso à revolução.
O conto é muito inventivo, econômico (nada sobra) e ainda termina de modo genial:

“En la obra de Nolan (o verdadeiro herói, que desmascara Kilpatrick e com ele planeja sua morte gloriosa), los pasajes imitados de Shakespeare son los menos dramáticos; Ryan sospecha que el autor los intercaló para que una persona, en el porvenir, diera con la verdade. Comprende que el también forma parte de la trama de Nolan... Al cabo de tenaces cavilaciones, resuelve silenciar el descubrimiento. Publica un libro dedicado a la gloria del héroe; tal vez eso, también, estaba previsto.”

Não deixa de ser irônico que Borges diga que os executores do crime tenham utilizado as partes menos dramáticas das duas peças de Shakespeare. Borges não esconde sua relação de amor e ódio com o bardo, que ele julgava ser, em espírito, muito mais italiano e judeu do que propriamente inglês, pelo seu amor do drama e da hipérbole. Como disse Borges numa entrevista à Paris Review, um tanto ciumento e injusto com Shakespeare,

“He was very bombastic. (...) Even in such a famous phrase as Hamlet’s last words, I think: “The rest is silence.” There is something phony about it; it’s meant to impress. I don’t think anybody would say anything like that.”
(Ele era muito bombástico. (...) Mesmo numa frase famosa, como a das últimas palavras de Hamlet, creio que “O resto é silêncio”. Há algo de falso, de impostura nisso; foi feita para impressionar. Não acho que alguém diria algo assim.)

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